terça-feira, 20 de junho de 2017

Bakhtin x Júlio Pinto: a produção e transmissão de mensagens das organizações

Após os estudos de semiologia, um dos maiores nomes no assunto é Mikhail Bakhtin, grande filósofo russo, que se destacava pelo interesse imenso nas formas de estudar linguagem, literatura e arte. Em um de seus estudos, Bakhtin se aprofunda em estratégias de análise do discurso, onde discorre sobre como o meio social em que a pessoa está inserida interfere na forma em como aquele discurso específico irá atingi-la. Sendo assim, os gêneros do discurso estão vinculados à situação social de interação de cada um. 

    Quando nos aproximamos da semiótica envolvendo grandes organizações, outro nome importante nos dias atuais é o de Júlio Pinto, professor de Semiótica, Coordenador do Mestrado em Comunicação Social da PUC Minas. Júlio acredita que a linguagem é o lugar do furo, da ausência, onde nem tudo que foi escrito ou dito terá um completo significado, compreendido por todos. Essa falta de entendimento geral é o que garante, para Júlio, a comunicação, os vocábulos. Ele afirma, “não posso pensar uma comunicação que seja o lugar liso, monolítico, sem fissuras”. 

Bakhtin foi usado como base teórica para Júlio Pinto ao criticar as formas das organizações em se comunicarem, já que Bakhtin aborda a apropriação de certos discursos usados pelas organizações de forma exagerada, como a própria carnavalização, já citada em um de nossos posts. Para Júlio, as organizações cristalizam os sentidos dos discursos, tentando “vender” uma ideia do que cada um deve interpretar com certo conteúdo transmitido. Acerca do tema, Bakhtin discorre, “o discurso é sempre levado dialogicamente ao discurso do outro, repleto de entonações, conotações e juízos valorativos”, ou seja, não se tem controle sobre nenhum conteúdo comunicado e suas interpretações, seja ele divulgado interno ou externamente.

O silêncio nas organizações

Desconsiderado por muitos anos, o silêncio denota-se um espaço importante de pesquisa, já que pode ocasionar inúmeras consequências aos empregados, à sociedade e às organizações. Nas quais, o silêncio é entendido como a abstenção dos funcionários em se expressarem sobre os problemas econômicos, sociais, morais ou legais observados no ambiente de trabalho.

No artigo “Silêncio nas organizações: uma revisão e discussão da literatura”, Moura-Paula (2014) apresenta como o silêncio tem sido estudado. O autor realizou um levantamento bibliográfico com base na divisão em três ondas de pesquisa dos estudos de voz e do silêncio nas organizações proposta por Brinsfield, Edwards e Greenberg.

Primeira Onda (1970 - 1980)

Em um ensaio publicado em 1970, Albert Hirschman, constatou que os consumidores, quando insatisfeitos com as organizações, manifestam esse sentimento de duas maneiras: terminando seu ‘relacionamento’ com a empresa ou reclamando e provocando o aperfeiçoamento do que julga incorreto. Hirschman acrescenta que esses dois fenômenos dependem de uma terceira variável, a lealdade. Uma vez que os membros da organização podem trocar a segurança da saída pela incerteza sobre a melhoria de um produto degenerado.

Entrevista: A organização e a fala autorizada

Quando falamos sobre Comunicação Organizacional, um termo recorrente é o de fala autorizada. Na tentativa de acompanhar a sociedade contemporânea, que exige cada vez mais eficiência e velocidade nas organizações, a “fala autorizada” passa a ser um dos principais elementos de uma das dimensões da Comunicação Organizacional: a organização comunicada.

Nos dias de hoje, a demanda cada vez maior por uma quantificação, planejamento, e especialmente legitimidade dentro das organizações, faz da organização comunicada uma dimensão que compreende os processos formais de comunicação presentes na organização, denominados “fala autorizada”.

A “fala autorizada” tornou-se um recurso cujo objetivo é organizar a identidade da organização de tal maneira que ela seja “atrativa” e guiada para o auto-elogio.  Entretanto, a “fala autorizada” também tende a reduzir a complexidade dos processos comunicacionais, tornando-os cada vez mais planejados e unilaterais, visto que desconsideram a organização comunicante, ou seja, a relação que a comunicação tem com sujeitos e os sentidos que essas relações produzem.

Para entender melhor a reverberação da fala autorizada nas organizações, durante a Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp) entrevistamos Rudimar Baldissera, atual líder do Grupo de Pesquisa em Comunicação organizacional, Cultura e Relações de Poder.

Graduado em Relações Públicas pela Universidade de Caxias do Sul, especializado em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade do Vale dos Sinos, Rudimar Baldissera foi entre os anos de 2010 e 2012 o vice-presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp). Baldissera possui experiência na área de Comunicação, atuando principalmente em  relações públicas, comunicação pública, estratégia, comunicação organizacional, identidade, imagem-conceito, cultura, relações de poder e comunicação turística.

O que a organização esquece quando apenas se preocupa com sua fala autorizada?

A "carnavalização" feita pelas organizações

Embora os estudos do Grupo de Pesquisa ECO-UFRN considerem carnavalização das organizações apenas os discursos que vêm dos públicos, ainda assim um fenômeno tem sido observado. As organizações subverteram a direção no jogo da carnavalização, passaram a fazer uso de formas carnavalizadas (como os memes), ao invés de terem seus discursos adulterados de sentido.  Essa utilização traz a ressignificação do meme mais uma vez, esses discursos ao serem carnavalizados são usados com o intuito de autopromoção. Essa utilização envolve diversas circunstâncias e é encontrada explicação na propagabilidade, segundo Jenkis (2014)

A “propagabilidade” se refere aos recursos técnicos que tornam mais fácil a circulação de algum tipo de conteúdo em comparação com outros, às estruturas econômicas que sustentam ou restringem a circulação, aos atributos de um texto de mídia que podem despertar a motivação de uma comunidade para compartilhar material e às redes sociais digitais que ligam as pessoas por meio da troca de bytes significativos (JENKINS, 2014, p. 26).

Pode-se observar que a apropriação dos memes pelas organizações está ligada às suas dinâmicas de circulação. Um meme quando criado, rapidamente se espalha por toda a internet e produz diversos significados que podem divergir do seu sentido original. Entretanto, quando ganha tamanha visibilidade, sua imagem mesmo descolada do discurso ainda desperta o imaginário mêmico (Dawkins, 1976), e segue sendo replicada cada vez mais e em diversas circunstâncias. O que tem sido visto na publicidade de algumas organizações:


A rede de fast-food usou em sua campanha de promoção do lanche Picanha Churras em maio desse ano, o meme da Gretchen dançando. No gif animado, eles relatam os ingredientes utilizados na composição do lanche e colocam o “Vinagretchen” como o ingrediente mais importante. O uso do meme na campanha rendeu mais de 2 milhões de visualizações do gif, 40 mil reações e milhares de compartilhamentos nas redes, segundo o site Ig.


Na divulgação da quarta temporada de sua série Orange is The New Black em junho de 2016, a Netflix contou com a participação de Inês Brasil, uma cantora mêmica que ficou famosa após seu vídeo de inscrição no programa Big Brother Brasil em 2013 ter viralizado nas redes. No vídeo de promoção, a cantora está na penitenciária de Litchfield, conversando em português com uma das detentas que fala em inglês e solta seus famosos bordões. Em meia hora, o vídeo já tinha 1 milhão de visualizações, segundo o site B9.

As organizações se tornam o espaço público para os discursos carnavalizados, como era visto no carnaval da Idade Média. Através de sua publicidade que é vista tanto em redes sociais como em outros meios (a televisão, por exemplo) elas fazem uso de certa forma de um discurso anônimo, pois os memes utilizados nem sempre são de amplo conhecimento, já que emergem nas redes socais digitais e nem todos têm acesso.

 Apesar de não serem feitos pelo público, essa “carnavalização” feita pelas organizações usam de discursos já consagrados fora de seu âmbito, os memes, e ainda permanecem com a ideia de carnavalização como gênero discursivo, já que a utilização dessas expressões continuam com o intuito cômico e com linguagem oposta a séria utilizada normalmente no contexto organizacional. 

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Reduzindo complexidades


Redução da complexidade. Você conhece esse termo? Ele é bastante utilizado quando se fala das organizações a partir de uma perspectiva sistêmico-comunicacional. Como nova forma de observar e analisar as entidades coletivas a partir da abordagem de Niklas Luhmann, esse olhar sobre o tema traz novos sentidos para o todo e suas partes, assim como o sujeito e o objeto.

Uma perspectiva sistêmica

Em ‘A perspectiva sistêmico-comunicacional das organizações e sua importância para os estudos da comunicação organizacional’, o docente da Universidade de Brasília João José Azevedo Curvello menciona os estudos de Maturana e Varela para explicar o conceito de organização. No texto, ele afirma que os autores romperam com a ideia tradicional de enxergar as instituições como sistemas abertos e permeáveis a influências externas. Assim, o professor sugere pensá-las como sistemas fechados, em um processo de autoconstrução (autopoiese), capazes de construir suas identidades e de se diferenciarem do ambiente externo. Ainda, aqui, não há mais a visão hierárquica de partes que compõem um todo, mas microssistemas que possuem um entorno comum.


E quanto à comunicação? Segundo essa visão crítica, é ela a responsável por dar forma e conteúdo ao todo, provocando movimentos circulares que definirão a sociabilidade da organização. As práticas comunicativas, de forma geral, tornará determinadas ações mais prováveis de serem realizadas que outras – determinando, assim, todos os eventos da instituição. Ao selecionar o que será informado, difundido e recepcionado, o processo de comunicar é um dispositivo fundamental para normalizar as relações sistema-meio.

“Antes de serem formadas por pessoas, as organizações são constituídas de comunicação, que pode ser entre as pessoas, mas que ganha vida própria e reforça a autopoiese e a construção de sentido e de identidade organizacional”. (CURVELLO, 2009)

Reduzindo complexidades


Um termo interessante do trabalho de Maturana e Varela é o ‘redução da complexidade’. Para eles, a complexidade e a diferenciação social são pontos centrais para se entender as organizações. E, como característica intrínseca dos sistemas organizacionais, a habilidade de reduzir suas complexidades se desenvolve para selecionar aquilo que tem sentido para o sistema. Seja reduzindo a complexidade do mundo em processos laborais mecânicos ou desconsiderando complexidades intrínsecas ao comportamento humano no dia-a-dia de trabalho, reduzir a complexidade aumenta a determinação dentro de uma empresa, como explicam Damacena e Hohendorff:

terça-feira, 13 de junho de 2017

Entrevista: A virada linguística



A virada linguística, grande movimento filosófico do século XX, propôs um novo paradigma para os estudos da linguagem. Nesse contexto, a comunicação passou a ser entendida não como um processo transmissivo de informações entre um emissor e um receptor, e sim como o compartilhamento de um conjunto de códigos que permitem que haja a construção de sentido e significado. Reverberações dessa corrente também chegaram ao campo de estudos da comunicação organizacional, que passou a analisar a complexidade das relações dentro das instituições e o papel dos diferentes discursos nelas inseridos, bem como a individualidades que as constituem e o contexto sócio-histórico.

Para compreender melhor essa visão relacional da comunicação organizacional, entrevistamos a professora Adjunta do Departamento de Comunicação Social da UFMG Vanessa Cardozo Brandão, que participou da XI edição do Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (ABRAPCORP). O evento contou com a presença de diversos profissionais especializados na área de Relações Públicas e Comunicação Organizacional, em palestras e grupos de estudo.

Vanessa é doutora em Estudos da Literatura pela UFF (Universidade Federal Fluminense, 2010), mestre em Literaturas de Língua Portuguesa pela PUC Minas (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 2005) e graduada em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais, 1997). Suas pesquisas permeiam temas relacionados à linguagem e discurso, como elaborações discursivas da publicidade em mídias digitais, retórica e poética no discurso publicitário, publicidade e retórica dialógica (estudos de recepção em processos de leitura/conversação sobre marcas em redes sociais), intermidialidade, estudos interartes, comunicação e literatura e estética da recepção (novos processos de leitura e produção de sentidos em redes digitais).

Como a virada linguística afetou a comunicação nas organizações?

Acho que o mais importante é fazer as organizações entenderem que elas não são o grande agente da linguagem, mas que outros agentes de linguagem também possuem voz e devem ser ouvidos. Não adianta nada as organizações reconhecerem que outros agentes têm fala se elas não escutam ou se engajam nas conversas e nos diálogos autênticos realmente abertos com essas organizações. Isso é um elemento importante: parar de entender o diálogo como algo de um para o outro que apenas escuta ou que responde de uma forma mecânica, e passar a entender esse processo como um processo de muitas idas e vindas e de muitas trocas de papéis comunicacionais. A organização não está sempre na mesma posição, ela tem que adotar a posição de escutar, e, partir dessa escuta, precisa adotar a posição de modificar seus atos não apenas de linguagem, mas também de suas ações.

Afinal, o que faz um RP?

A Associação Brasileira de Relações Públicas (ABRP) define Relações Públicas como
Mas será que os profissionais da área de fato exercem essas funções? Conversamos com duas relações públicas para descobrir um pouco mais sobre a profissão.

Por que você decidiu seguir carreira em Relações Públicas?

Fernanda: Sempre fui uma pessoa muito comunicativa e sempre quis atuar na área de humanas. E dentro dessa área, esse foi o curso que mais me chamava a atenção pelo extenso campo de atuação.

Ana Paula: Sempre gostei de me comunicar e de escrever. Mas escolhi RP porque eu achava, e ainda continuo achando, que é a área mais completa de comunicação. Já que ela é global, você é obrigado a ver o processo todo.

O que faz um profissional de RP?

F: Um RP, muito diferente do que alguns pensam, não é só fazer festas. Um RP pode atuar em diversas áreas da comunicação como: comunicação interna de grandes empresas, marketing, publicidade e propaganda, organização de eventos, entre outros.

A: O relações públicas primeiro identifica um problema de uma empresa, depois ele define um objetivo e, a partir disso, pensa em estratégias. Daí serão necessárias ferramentas: conteúdo, propaganda, relacionamento e outros. Além disso, esse profissional tem que ser criativo e saber resolver problemas que surgem durante a execução do plano estratégico.

Qual é o papel do RP dentro da comunicação de uma empresa?


F: O papel do RP em uma empresa é, basicamente, garantir que as informações cheguem a todos os colaboradores de todos os setores, manter a política organizacional, cuidar da reputação da empresa, buscar parcerias comerciais e organizar os eventos corporativos.

A: Varia de acordo com a empresa, mas o papel do RP é ser um facilitador da comunicação. Em uma empresa que tem outros setores de comunicação, o RP tem que fazer com que essas áreas conversem e gerem um produto bom. Mas, independente de onde ele trabalha, espera-se de qualquer RP uma visão mais generalista e estratégica da comunicação.

Como é o campo e o mercado de trabalho de RP no Brasil?

F: Apesar de ser um vasto campo de atuação, atualmente, o mercado está bem complicado. Pois, infelizmente, algumas empresas enxergam esta área como ‘supérflua’ e na crise, é um dos primeiros setores a serem cortados, fazendo com que muitos bons profissionais não consigam emprego, ou se conseguem, é para ganhar um salário bem baixo.

A: Não sei te responder como está o mercado atualmente, mas o que eu percebo é que outros profissionais de comunicação estão atuando no campo de relações públicas pela carência de vagas nas áreas de origem. Os jornalistas, principalmente, estão migrando para essa comunicação mais integrada.

Você nota mudanças na área desde o início da sua carreira até atualmente?

F: Sim. Antes o mercado era mais aberto. Agora, de dois anos para cá, com a crise no país, a dificuldade de encontrar um emprego na área está bem grande.

A: O campo da comunicação mudou muito. Hoje as pessoas se informam e se tornam formadoras de opinião e produtoras de conteúdo. Assim, a tecnologia proporciona maior acesso à informação, as pessoas mais bem informadas tornam-se mais críticas e isso altera o relacionamento do consumidor com a empresa.

A democratização da internet e a expansão das redes sociais modificou de alguma forma o exercício da profissão?

F: Acredito que o avanço da internet e as redes sociais favorecem o nosso trabalho, no sentido de termos algumas facilidades para monitorar a satisfação de clientes perante algum serviço ou produto e também para captar novos clientes.

A: Modificou muito. A empresa agora precisa estar 24 horas disponível, já que é muito rápido e fácil a interferência de conteúdo possibilitada pela redes sociais. Então, o profissional de relações públicas não tem mais escolha em não se pronunciar, porque se ele não falar, alguém vai falar por ele.